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Qua, 20/04/11

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I. O PAÍS DOS FRUTOS

O País dos Frutos é um país alto, atravessado por rios imensos e límpidos de
luz e pelos caminhos imprevisíveis dos pássaros. Nesse país, os frutos
crescem na direcção do chão que é a direcção certa de crescer. No País dos
Frutos há cor, sabor, frescura e o tilintar da música que há nas sílabas do
nome de todos os frutos. Quando se diz o nome de um fruto é como se o vento
fizesse baloiçar as sonoridades delicadas daqueles jogos de canas que se
penduram nas árvores ou nas varandas das casas. Por isso se diz que neste
país os frutos têm música dentro do nome e luz e cor. E o nome dos frutos
escreve-se com as mesmas letras da alegria, da frescura e da liberdade.

O País dos Frutos é o país onde tudo começa numa flor, onde o silêncio
cresce devagar até tomar a forma duma ameixa, duma maçã, dum dióspiro, duma
romã; até tomar a cor do sol para, enfim, escorrer pelos lábios e neles
derramar frescura e claridade. No País dos Frutos há milhares e milhares de
bandeiras que nada significam: nem compromisso, nem fervor, nem fé. Estão lá
porque nasceram lá. Nasceram dum impulso de vida e são agitadas, não pelo
frenesim da voz, mas pela alma invisível dos ventos. O País dos Frutos é um
país quente donde o Sol nunca gosta de afastar-se. Sente-se bem naquele país
e, desde que se levanta até que se põe, percorre cada coisa com muita
lentidão. Nunca tem pressa e por isso passa o tempo a amadurecer os frutos
com uma enorme paciência. Todos os dias ao alvorecer, nas hortas e nos
pomares, mal pressentem o seu aparecimento, os frutos ficam em alvoroço e
começam a dizer uns para os outros:

— Aí vem o nosso amigo! Aí vem o nosso grande amigo Sol!

Aqueles menos bem situados, mais escondidos pelas folhas ou pela sombra de
outras árvores vizinhas, tentam apanhar os seus primeiros raios e pedem aos
que moram no lado exterior da copa:

— Deixem-nos ir para a vossa janela, deixem-nos ver como caminha lá de longe
o Grande Sol para vir ao nosso encontro.

Mas, como se sabe, não é fácil os frutos moverem-se. Não têm pernas e só têm
um braço que os prende à árvore. E se há alguns que conseguem, apesar disso,
esticar-se, esticar-se até mais acima, há outros que não têm força nem
espaço e ficam abafados pelas folhas e pelos outros frutos. É certo que têm
a companhia e a frescura das gotas de orvalho que durante a noite por ali se
acomodaram e por ali ficam a maior parte do dia. Mas falta-lhes a cor e o
sabor que só o Sol lhes pode oferecer.

— É triste ficarmos aqui escondidos. Ninguém reparará em nós. Ninguém nos
colherá...

— Mas duraremos mais tempo. Ficaremos para alimentar os pássaros e os
insectos e isso é melhor do que ser empacotados e alinhados em caixotes nas
frutarias e nos supermercados — diziam outros menos descontentes com a sua
sorte.

— E os comentários que teremos de suportar dos outros frutos e dos homens?
Que somos enfezados, que não prestamos para nada, que era melhor não termos
nascido — acrescentou uma pêra, briosa, mas corcovada e dura como uma pedra.

— Não me importa o que dizem. Nascemos duma flor, como os mais anafados, e o
resto é conversa. Deixem-nos ir para as mesas das pessoas importantes...,
ter de suportar jantares que nunca mais acabam e ouvir conversas que não
interessam ao menino Jesus. Eu, por mim, prefiro ficar com os pássaros e os
insectos — dizia do meio da folhagem uma maçãzita bichenta, cheia de manchas
e com a pele áspera como a casca de um pinheiro bravo.

Todos os dias a conversa era a mesma. E o Sol que, quando nasce, afinal, não
é para todos, ficava triste por não poder oferecer o seu calor a todos os
frutos do mesmo modo. Mas nada podia fazer porque ele próprio obedecia a uma
lei que lhe impunha limites e o impedia de penetrar nos lugares mais
escondidos.

— Chamam-me rei, mas tenho tantas incapacidades... — lamentava-se a cada
passo.

E lá continuava como um atleta incansável a percorrer o céu de horizonte a
horizonte. Às vezes apetecia-lhe parar um pouco a descansar, a conversar com
as nuvens, a olhar preguiçosamente o País dos Frutos. Mas não podia. Se o
fizesse causaria graves problemas ao funcionamento do Universo. Um dia,
porém, no seu caminhar lento e airoso, teve uma ideia luminosa. Aliás, o Sol
só tem ideias luminosas:

— Há tantos frutos que se queixam por viverem nos lugares sombrios da
copa... Vou reuni-los e escolher um rei dos frutos para resolver os
conflitos, estabelecer a justiça e assegurar a igualdade entre todos. Um
rei?... Talvez não. Uma rainha!

O Sol lá tinha as suas razões para preferir uma rainha.

II. A RAINHA DE TODOS OS FRUTOS

No dia marcado pelo Sol, todos os frutos se reuniram para entre eles
escolher um que assegurasse a justiça e resolvesse os conflitos. Falou em
primeiro lugar a Pêra-Joaquina:

— Tomo a palavra, meu soberano sem igual, para dizer que sou o fruto
indicado para chefiar todos os frutos da horta e do pomar. Sou pequena e
discreta, é certo, mas tenho a força do carácter e a dureza para impor a
lei.

— Eu moro nos lugares baixos da horta — começou por dizer o
Melão-casca-de-carvalho — mas a vantagem física do meu porte levará a uma
natural obediência.

— A autoridade não é uma questão de físico — interrompeu o
Figo-pingo-de-mel. — Eu sou de frágil constituição, mas tenho doçura e essa
é uma forma de autoridade que todos aceitarão livremente.

— Concordo com o Figo-pingo-de-mel, mas deve haver uma inclinação natural
para a autoridade. A minha linhagem nobre e antiga — disse a
Ameixa-rainha-Cláudia — faz circular na minha seiva a necessidade de dirigir
e defender os outros. A autoridade está em mim com a mesma naturalidade com
que as raízes da ameixoeira estão na terra.

— Não me parece que seja assim. Há raízes que secam... — disse a
Maçã-pata-de-boi. — Nos tempos que correm, a autoridade deve ter estatura e,
por isso, a minha fortaleza discreta e altiva é um argumento que o
Pai-de-todas-as-luzes não pode desprezar.

— Se me permite a palavra — disse o Pêssego-careca — gostava de falar sobre
a importância da experiência e da sabedoria no exercício da autoridade. A
minha calvície é com certeza sinal de ponderação, fundamental para
ultrapassar conflitos e discussões.

— Autoridade rima com virilidade — sentenciou a Uva-coisa-de-galo. — Não é
com falinhas mansas que se exerce a autoridade. É necessário ter
argumentos..., compreende o meu rei, Luzeiro-de-todos-os-luzeiros? E esses
argumentos, eu tenho-os: o meu exército de bagos estará sempre pronto a
intervir para que a lei seja cumprida duma forma exemplar.

Ainda outros frutos falaram, mas o Grande Rei Sol não ficou convencido com
as razões expostas. Pareceu-lhe que estavam demasiado interessados em mandar
e poucos invocaram a preocupação da paz, da justiça e da igualdade entre a
família dos frutos.

— Ouvi as vossas palavras e, a seu tempo, tomarei uma decisão.

Despediu-os e retirou-se para pensar mais maduramente. Logo nessa noite,
ninguém dormiu. Todos discutiram com todos. Cada um deles esperava vir a ser
o escolhido. Passaram-se noites e dias, dias e noites e, ao alvorecer,
pensavam sempre que seria aquele o dia em que o Sol iria anunciar a sua
escolha. As discussões eram cada vez mais acesas e a impaciência começava a
retirar lucidez à maior parte. Todos se vigiavam a todos. Em cada palavra
dita havia um ouvido rente às folhas a escutar. O mais pequeno deslize, um
erro, qualquer defeito, eram anotados e guardados para, na altura certa,
serem jogados em desfavor do rival. Como às vezes acontece no país dos
homens, ninguém estava resguardado. Todos estavam expostos diante de todos.
Havia naquele pomar uma palavra que pairava, luminosa, sobre a copa de cada
uma das árvores: vencer. Vencer eliminando os outros. (…)

Nuno Higino

A Rainha do País dos Frutos

Marco de Canavezes, Cenateca, 2000

_____

Caros leitores,

O Projecto intitulado Clube de Contadores de Histórias, nascido em 2006 na
Escola Secundária Daniel Faria – Baltar, tem vindo, ao longo dos anos, a
difundir-se de uma forma significativa, não só em Portugal, mas também no
Brasil e nos países africanos de língua portuguesa. No sentido de assegurar
a continuidade de referido clube, foi constituída uma equipa pedagógica,
formada por professores de vários grupos disciplinares e provenientes de
diversos estabelecimentos de ensino, que tomarão a seu cargo a selecção,
preparação e envio de uma história semanal por correio electrónico, tal como
habitualmente tem vindo a ser feito.

Esperando que o projecto continue a merecer a melhor atenção por parte do
público leitor, despede-se com os melhores cumprimentos,



A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

acb@clubedashistorias.com


Uma amiga moçambicana falava-me há dias do que significa para os moçambicanos a expressão "Maning Nice". Desde então procuro compreender esta singularidade...
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